Durante toda sua carreira, La Morita foi vista em cena ao lado de seu marido, o cigano guitarrista flamenco Loska Santana. Após seu falecimento, uma das parcerias mais memoráveis, que chegou a remeter à lembrança dos áureos tempos de Morita e Santana, foi a parceria de La Morita com Fabiano Zanin. A guitarra de Fabiano Zanin é direta e pura, valoriza o cante e domina o compás (tempo Flamenco); nela, sem dúvida, podemos nos lembrar de Santan que tocava com sentimento e garbo.
na foto: Fabiano Zanin
Fabiano Zanin é também um pesquisador e estudioso da música flamenca. É com base num artigo que ele publicou numa revista científica, sobre a música flamenca, que eu ousei destacar alguns trechos que considero de fundamental importância para nós, bailaores de Flamenco que ansiamos por compreender toda essa complexidade musical característica da música flamenca.
O artigo escrito por Fabiano Zanin tem por título " O VIOLÃO FLAMENCO E AS FORMAS MUSICAIS FLAMENCAS " e foi publicado na Revista Científica./FAP, Curitiba, v.3, p.123-152, jan./dez. 2008.
Zanin coloca que o Flamenco é uma manifestação artística espanhola que se realiza por meio do toque, do cante e do baile e enfatiza o quanto o flamenco é nômade, pois , desde que saiu de seu berço - Andaluzia - não encontrou mais fronteiras, tendo inclusive muitos representantes que nem se quer espanhóis eram.
"Desde os anos 1920, o Flamenco ultrapassou as fronteiras geográficas da Andalucia, onde se originou. Segundo Espada (1997), artistas importantíssimos para a história e transformação desta arte, como a bailaora Carmen Amaya (1913-1963), ou o guitarrista Sabicas (1912-1990), não eram de origem andaluza. Podemos citar também a bailarina Antonia Mercé (1888-1936) – La Argentina – que não era andaluza, tampouco espanhola e, segundo alguns autores, como Espada (1997, p. 58) e Barrios (1989, p. 41), foi considerada uma das principais artistas de seu tempo."
(Fonte: ESPADA, Rocío. La Danza Española su Aprendizaje y Conservación. Madrid: Esteban Sanz, 1997, apud ZANIN)
Os fragmentos a seguir eu apenas selecionei do artigo do Zanin pois considero muito importantes para nosso estudo:
SOBRE O RITMO (PALO) NO FLAMENCO
Cada Palo Flamenco é formado por uma cadência e por um compás, isto é, um ritmo bem definido que o caracteriza e nomeia. Segundo Lola Fernández existe quatro tipos de compás Flamenco:
“En el flamenco se dan cuatro tipos de compases: binario, ternario, compás de doce o alterno y compás
interno o aparentemente libre, siendo también característica de algunos cantes la polirritmia o superposición de hasta tres compases diferentes.”
O COMPASSO DE DOZE TEMPOS
Diferentemente de nosso ritmo musical multiplicativo, ou seja, dos padrões rítmicos com origem na multiplicação ou divisão (normalmente por dois ou três), alguns ritmos Flamencos se apresentam de uma forma aditiva. Segundo Ann Livermore, encontramos ritmos irregulares – principalmente os que alternam o compasso 3/4 com o 6/8 – por toda a península Ibérica. Este tipo de alternância é comum ao Flamenco, como no ritmo Flamenco chamado Petenera, que se constrói desta maneira. Este compasso de doze tempos se apresenta por meio de várias alternâncias rítmicas, tais como: 2+2+3+3+2 ou 3+3+2+2+2. Tais alternâncias nos dizem a que grupo este Palo pertence. A primeira alternância citada, por exemplo, corresponde ao grupo do Palo de Seguiriya e a segunda ao grupo do Palo de Soleá, ou Soleares. Cada grupo rítmico nos apresenta uma série de possíveis Palos. Encontramos no grupo de Seguiriya, por exemplo, os Palos de Seguiriya e Bulerías. Esses Palos possuem o mesmo compás de doze tempos, dividido de maneira diferente em cada caso, e utilizam o mesmo modo musical, sendo, porém, completamente diferentes quanto ao caráter e inspiração, tempo e divisão interna.
Para compreender melhor o compasso de doze tempos, o autor fez uma representação, de uma maneira abstrata, utilizando a colcheia como unidade de tempo.
A SOLEARES
A Soleá, segundo José Blas e Manuel Ríos Ruiz é um cante Flamenco que possivelmente se originou na primeira metade do século XIX. Sua copla é formada por quatro ou três versos octossílabos.
O compás de Soleares, ou Soleá, se apresenta da seguinte maneira:
VEGA Y RUIZ, Maestros del flamenco. Planeta Agostini, s.d. p. 15.
O 1 e o 2 localizados depois do tempo 10, no grupo do Palo de Soleá, tem a função de ponte, isto é, estes dois tempos realizam a ligação entre duas falsetas. O cierre, ou remate, é realizado no tempo 10, tendo os tempos 7, 8 e 9 como preparação. Acerca disso escreve Lola Fernández: “El compás de doce reduce en dos sus tiempos para finalizar el cante, acabando en el diez de la cuenta flamenca. En este número se producen también los cierres, otro elemento característico del flamenco que se da con regularidad a lo largo del cante”
Por meio do relógio Flamenco ( FERNANDÉZ, Op.cit., p.8 .), podemos perceber a divisão dos doze tempos no grupo do Palo de Soleá, como também seu início e término.
Classificacion de Los Palos por Compás
GLOSSÁRIO
A compás. Baile ou cante Flamenco que segue fielmente o ritmo ou cadência do
estilo correspondente.
A Palo seco. Cante que se acompanha sem acompanhamento de guitarra.
Aflamencado. Canções ou bailes procedentes do folclore andaluz ou outros, assim como materiais musicais diversos que se interpretam com entoação e compás Flamencos.
Aire. Cante ou baile próprio e característico de uma comarca.`
Al aire. Tocar a guitarra sem cejilla (capotasto).
Ayear. Consiste na pronunciação de vários ayes pelo cantaor durante a interpretação do cante.
Ayeo. Ação e efeito de ayear.
Bailaor. Intérprete do baile Flamenco.
Café cantante. Local onde se ofereciam bebidas e recitais de cante, baile e toque Flamencos. Esses locais viveram seu auge na segunda metade do século XIX, entrando em decadência nos primeiros anos vinte do século XX.
Cantaor. Intérprete do cante Flamenco.
Cante. Significa efetivamente canto Flamenco.
Cante a compás. É o cante que é realizado dentro da medida, ritmo e cadência que o
próprio cante requer, e ocorre em perfeita conjunção entre intérprete e
acompanhamento de guitarra.
Cante jondo. Expressão utilizada para referir-se a determinados estilos do cante
Flamenco, nos quais se aprecia o primitivismo profundidade e força
expressiva.
Cejilla. Capotasto, típico recurso da guitarra flamenca, é utilizada para dar ao
cante o tom adequado a cada estilo. Seu emprego data da segunda
metade do século XIX.
Compás No contexto do Flamenco, medida de uma frase musical com sua acentuação correspondente, segundo o toque da guitarra.
Desplante. Série de golpes fortes dados com o pé contra o solo. No Flamenco se emprega como remate de outros passos, correspondendo-se na guitarra aos rasgueos que se encontram no final da melodia.
Duende Segundo a definição do Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola: “é o encanto misterioso e inefável do cante”.
Falseta. Frase melódica ou floreio que o tocaor executa, quase sempre de maneira ponteada, entre uma copla e outra ou antes do cante.
Floreo. Ação de florear a guitarra; adorno realizado pelo cantaor ao produzir uma sucessão de melismas; no baile se constitui de uma série de movimentos realizados ao se sapatear.
Jaleo. Ação de jalear, conjunto de expressões, locuções admirativas e interjeições em forma de gritos intuitivos e espontâneos, para expressar entusiasmo ou para animar os intérpretes.
Hacer son. Acompanhar um cante ou um baile com palmas, a golpe ou com estalar
de dedos (pitos).
Llamada. No baile Flamenco, nome que designa o conjunto dos primeiros movimentos que executa a bailarina flamenca ao começar o desplante, pretende ser uma espécie de aviso ao tocaor.
Macho. Estrofe geralmente de três versos, que se soma a certos cantes para rematar-los.
Melisma. Grupo de notas sucessivas cantadas sobre uma mesma sílaba.
Palmero. Componente do grupo Flamenco especializado em acompanhar os cantes e bailes Flamencos com palmas.
Palo. Refere-se a cante Flamenco, tipo de cante, estilo.
Pito. Som realizado ao estalar os dedos.
Por abajo. Refere-se ao tom dado pelo guitarrista ao cantaor, equivalente ao som
de lá maior.
Por arriba. Refere-se ao tom dado pelo guitarrista ao cantaor, equivalente ao som
de mi maior.
Por médio. O mesmo que por abajo.
Rasgueo. Consiste em roçar os dedos da mão direita desde o mínimo até o
indicador, ou vice-versa.
Rasgueado. O mesmo que rasgueo.
Tablao. Cenário dedicado à arte flamenca, local especializado em oferecer
espetáculos Flamencos.
Taconeo. Refere-se ao baile Flamenco, o mesmo que sapateado.
Templar. Afinar a guitarra; também se refere ao cante quando o cantaor realiza
el temple.
Temple. Toda a série de sons realizados pelo cantaor antes de executar a copla,
serve para situar o cantaor no tom que esta sendo proposto pelo
guitarrista.
Tercio. Cada um dos versos de que consta uma copla do cante Flamenco
'palo' não é a mesma coisa que ritmo...no próprio artigo do nosso estimado Fabiano Zanin ele o denomina como forma musical. Amei seu post!
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