quarta-feira, 23 de maio de 2012

O delicado rosto do Flamenco - Entreverbos


         Uma pequena argentina em seu andador, balançava os pés e as mãozinhas todas as vezes que escutava música flamenca no rádio. Essa pequena argentina cresceu, se chama Amália Moreira, uma distinta senhora de 67 anos, que ao dançar, se transforma em La Morita, uma das pessoas responsáveis por trazer a dança flamenca para o Brasil.




La Morita, de estatura mediana, longos cabelos negros e olhos marcantes, sentou-se em seu estúdio da dança, com grandes espelhos e imagens ligadas a Espanha e ao flamenco para contar que a dança foi algo que veio com ela de nascença. “Comecei a dançar com oito anos na Argentina, mas a dança nasceu comigo, minha mãe dizia que quando tocava musica espanhola no rádio eu balançava as mãozinhas e sapateava no andador.” Quando fez cinco anos, Amália foi levada por seu pai para assistir a uma apresentação no Teatro Avenida em Buenos Aires. “Ele disse que enlouqueci, foi um tipo de espetáculo chamado de Romerias, que também existiam aqui no Brasil, em cidades maiores como Rio e São Paulo.”

Após a apresentação, o pai de Morita prometeu, que quando chegasse alguma professora de dança espanhola ao bairro, ela faria as aulas. Mas devido ao preconceito da época, seus pais relutaram em colocá-la na dança quando a professora chegou. “Eu chorava todos os dias e sofri mais três anos pedindo para aprender.”


Ela conta que começou a fazer danças espanholas e para se aperfeiçoar fez dança clássica no Teatro Cólon, em Buenos Aires. Esse foi o ingresso da dançarina para começar uma carreira artística pois logo começou a trabalhar em uma academia de dança. “Um dia me chamaram para cobrir o lugar de uma moça em um balé espanhol e foi assim que comecei neste teatro”. A partir daí, La Morita foi se aperfeiçoando e com muita dedicação conseguiu se tornar uma profissional de arte. “Você pode dizer que é um profissional da arte quando consegue se sustentar com ela. Eu comprei minha casa, manti minha família, e agora estou aqui, dando aula, trabalhando com arte”, ressalta.

O flamenco desembarca em Curitiba

Faz 28 anos que Amália trouxe a dança ao país. ”No Brasil, só se implantou a dança flamenca quando nós chegamos, eu e meu marido”. Sua vinda para o país foi inesperada. Durante um intercambio cultural com o Paraguai grupo de balé do qual Morita era contratada, acabou ficando preso na cidade devido ao assassinato de uma moça. Na mesma época, foi declarado estado de sítio por causa da guerra, assim as fronteiras foram fechadas. “Quando o problema se resolveu, conhecemos um empresário que nos trouxe a Curitiba. Conhecemos o cônsul da Espanha na cidade e ele nos contratou para algumas apresentações”.



Devido a um problema de saúde Amália, que havia casado recentemente com Santa Ana, acabou ficando em Curitiba. “Fiz o tratamento com um médico daqui, logo nasceu minha filha, e por isso fiquei em Curitiba, ela é curitibana”. La Morita e seu marido Santa Ana, falecido em 93, abriram a Casa de Balé Flamenco La Morita y Santa Ana, que funcionou por muitos anos no Largo da Ordem. Devido a alguns problemas, Amália acabou tendo que deixar o local. “A casa era muito antiga, precisava de reformas que os donos do imóvel não conseguiriam bancar, então acabou sendo vendida e se transformou em um restaurante. Fico feliz em saber que pessoas com dinheiro conseguiram conservar a casa”, destaca.
No momento a dançarina dá aulas no colégio Barão do Rio Branco, em um espaço reservado para ela. “Foi incompatível ficar em qualquer escola de dança, temos que ficar isoladas já que o flamenco é uma dança barulhenta, com muito sapateado. Aqui não incomodamos ninguém, e ninguém nos incomoda”. Isso foi possível graças a um acordo que a professora fez com o colégio. Durante a semana, La Morita dá aulas particulares, e ás sextas sua atenção se volta para alunos carentes que têm aulas de graça, vinculadas ao projeto Amigos da Escola.
As aulas da professora recebem boas críticas das alunas Anita Maria da Costa Felix e Juliana de Araújo Bumbeer. “Escolhemos justamente a professora Morita por saber de toda a vivência que ela tem. É temos uma admiração profunda por ela e posso garantir, que se eu tenho uma diva, sem exagero, é a La Morita”, afirma Juliana.
La Morita e seu marido trouxeram o flamenco para Curitiba.

Semeamos muito, hoje todos que você vê por aí, dando aula de flamenco foram meus alunos”, diz animada.



Uma dificuldade envolvente
Tamara De La Macarena - filha de La Morita e Sant Ana

Segundo Amália, a dança flamenca é muito complexa. “Está muito envolvida com a cultural espanhola e o que se dança em uma região da Espanha, não é o mesmo que se dança em outra”. O flamenco foi influenciado por culturas como a indiana e a judaica. “Dançamos o flamenco que vem da Índia, misturada com a dança árabe, mas quem colocou o tempero da dança foram os ciganos que chegaram ao sul da Índia”, explica.
Atualmente a dança é muito estudada, sendo considerada uma ciência, se tornando curso universitário em Granada na Espanha. “O flamenco é difícil de interpretar, porque além de ritmo, talento, perseverança, você precisa tocar um instrumento e sapatear.”.
Nesse aprendizado, também está envolvida a castanhola, que ao contrario do que muitas pensam, não teve sua origem na Espanha. “Datam da época de cro-magnon e se tornaram um instrumento importante para a dança flamenca”, afirma Morita. “O verdadeiro flamenco não é com castanholas, já que elas foram implantadas na década de 30, mas atualmente não podemos dizer que dançamos o flamenco original”. Para a dançarina, hoje em dia, se dança o flamenco de turista. “A mulher não e mais feminina, sapateia como homem, não tem a feminilidade que tinha antes”, afirma.
As apresentações da dança espanhola giram em torno de uma história que tem início no século 16. “Com a falta de luz elétrica, o homens se reuniam em tavernas, bebiam e conversavam. No local, havia uma mulher, a prostituta, e um cavalheiro que tocava guitarra, enquanto o guitarrista toca, os bêbados cantam e a prostituta dança, é o trio perfeito”. Toda a temática do espetáculo gira em torno deste universo.
O flamenco é carregado de histórias e de cultura, além de ser muito envolvente, para Juliana, a dança atrai por ser completa. “É maravilhosa, pra mim ela é completa, tem música, expressão, trabalha a individualidade. No flamenco, cada dançarina é única.”

As últimas frases de Amália foram as seguintes: “Não existe nada na dança que eu não goste, posso ficar aqui mais 2 horas falando bem do meu flamenco, e acabaria com as pilhas de seu gravador. Nasci com o flamenco em mim, ele me motiva, é uma relação muito forte. Quero que venha dançar comigo para entender o que eu estou falando.”

Como suas alunas disseram, La Morita é uma mulher flamenca, ela é o rosto que representa a dança no país.

(matéria publicada na Entreverbos, revista-laboratório do curso de Jornalismo da Facinter - Ano 2 - nr 10 - 10, 14 e 26 de maio de 2012)

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