Na infância, em Buenos Aires, quando ouvia música espanhola, Amália Moreiras - La Morita - punha-se a dançar. O hábito foi "agravado" aos oito anos, quando começou a ter aulas de dança e talvez não soubesse o rumo que os primeiros gingados infantis tomariam.
Hoje, a bailarina conhecida como La Morita olha para trás e vê a representatividade que tem como pioneira no ensino de flamenco e uma das únicas mestras a ministrar aulas de castanholas no Brasil.
Depois de tanto tempo de dedicação à dança artística espanhola, La Morita mostra sua sapiência ao explicar alguns ajustes que só o tempo pode fazer.
"O flamenco, quando se é jovem, é pura energia. Quando se é velho, é sabedoria. Uma coisa é dançar, outra é saber dançar. Repetir é fácil, mas há que entender."
Intrinsecamente, talvez o ritmo já estivesse no sangue. Neta de espanhóis por parte de pai, La Morita chancelou a genealogia em 1963, aos 19 anos, quando formou-se em dança clássica na Escola Nacional de Danças de Buenos Aires. No entanto, o contato mais forte com o flamenco veio mesmo na Espanha, na secular Escola Bolera.
A dedicação total à profissão, ela resume: "A dança flamenca é minha vida."
Em suas aulas, não abre mão de promover o ensino de como tocar castanholas, instrumentos criados há 4 mil anos.
"São um acompanhamento imprescindível ao flamenco. Todos os meus alunos tocam castanholas. Não passariam vergonha na Espanha."
Formação com
Gades e Cristina Hoyos
Para virar maestra, ao longo da trajetória, La Morita recebeu aulas de Antonio Gades e Cristina Hoyos, conhecidos no cinema pela trilogia de Carlos Saura, que levou o Flamenco ao mundo "Amor Brujo", "Carmem" e "Bodas de Sangre".
"Eles foram famosos pelos filmes, mas tive muitos mestres tão bons quanto eles, como Rafael de Córdoba. Deles falo com orgulho porque são reconhecidos mundialmente."
Foi justamente na época em que os filmes estrelando a dupla tomavam as telas que a bailarina veio ao Brasil. "Aqui, só tinha danças espanholas populares, mas flamenco não tinha", relembra, enfatizando que aqui chegou por acaso. De Buenos Aires, parou em Curitiba para depois seguir ao México, onde tinha compromissos de trabalho.
Na capital do Paraná, ela decidiu ficar no Brasil, e engravidou do marido, o tocaor (guitarrista flamenco)
Yoshka Santa Ana, espanhol de Sevilla e descendente de ciganos.
Foi em Curitiba que nasceu sua filha,
Tamara de La Macarena, que dança desde os três anos. A cidade também foi o local escolhido para abrigar a primeira escola do ritmo espanhol no Brasil, a
Ballet Espanhol Flamenco de La Morita y Santa Ana. Após a morte do marido, em um acidente de trânsito, em 1993, seu seguidor, Fabiano Zanin, acompanha La Morita e Tamara nas aulas na escola e nas apresentações que realizam.
Burocracia
Do Brasil, ela só tem agradecimentos.
"Adoro essa terra. Consegui aqui tudo o que não consegui na Argentina", diz.
No país de origem, La Morita atuou também como representante da Secretaria de Cultura de Buenos Aires por quase 20 anos. Hoje, lembrando os tempos em que figurava entre a política e a dança, ela não deixa de falar sobre as leis de incentivo à cultura no Brasil.
"É interessante, mas existe muita coisa para ser arrumada. Há muita burocracia", analisa.
A bailarina tem quatro projetos aprovados. Com um desses, gravou o CD "Mistérios del Flamenco".
Pela vivência, mesmo empiricamente dominando técnica e emoção, Amália reconhece:
"O flamenco é muito complexo de aprender e ensinar". Os dançarinos de primeira viagem, ela tranqüiliza com a contrapartida que sentiu na pele, desde os oito anos: "Quem entra no flamenco não sai mais. Quem sai, é porque nunca entrou. É como uma droga".
Ao rememorar o passado, e mesmo analisando sua atuação no presente, La Morita reconhece que seu trabalho é um reforço a difusão da tradição, que além de ensinar também coreografa, para grupos que a contratam exclusivamente para o ofício.
"Gosto de passar o que tenho comigo e não quero que se perca. Há muita mistura de dança clássica com flamenco; perdeu-se parte da essência; é apenas técnica", averigua, repetindo nas frases a mesma firmeza dos passos com os quais se tornou conhecida ao longo dos anos. (LC)
(parte da matéria publicada em A Notícia, de Florianópolis/SC, escrita por
LUIZ CHRISTIANO)